Unidade de Neuropsiquiatria
Laboratório de Neurobiologia da Ação
Não são poucas as vezes que certos sabores e texturas parecem têm um “poder mágico sobre nós”, tornando certos alimentos simplesmente irresistíveis. Mas será que é apenas o paladar que controla as nossas escolhas alimentares?
A resposta é não. A boca é apenas o primeiro ponto de verificação - decidindo se a comida deve, ou não, ser ingerida. É depois, quando a fase pós-ingestiva começa, que o sistema digestivo vai "saborear" a comida e conversar com o cérebro sobre a sua escolha.
Os processos pós-ingestivos podem levar animais e humanos a preferirem um alimento em detrimento de outro, mas será que também podem desencadear uma procura ativa por determinados alimentos? E em caso afirmativo, quais serão os mecanismos neurais envolvidos nesse comportamento?
Para explorar estas questões, a equipa desenhou uma tarefa experimental em que o sabor da comida foi retirado da equação. Nesta tarefa, os ratos pressionavam, livremente, umas alavancas para receber uma injeção de comida diretamente no estômago. Numa das experiências, uma alavanca acionava a injeção de uma solução de alto teor calórico e a outra, de uma solução com poucas calorias.
Surpreendentemente, embora os ratinhos não pudessem saborear a comida, acabaram por aplicar, de forma consistente, os seus esforços na alavanca correspondente ao alimento de alto teor calórico. Este resultado, entre outros, estabeleceu uma nova forma de aprendizagem pós-ingestiva, que faz com que os animais sejam instruídos a procurar ativamente os alimentos mais nutritivos.
De seguida, foram investigados quais os mecanismos neurais envolvidos nesse comportamento.
Pergunta #1: Como é que as informações sobre o valor nutricional dos alimentos passam do sistema digestivo para o cérebro? A equipa especulou que este processo acontece através do nervo vago: um longo nervo que liga o cérebro a vários órgãos internos. Em particular, a equipa concentrou-se no ramo que transporta os sinais do fígado, órgão que se encontra numa posição perfeita para detetar o valor nutricional dos alimentos.
Quando os investigadores lesionaram esse ramo, a capacidade dos ratinhos aprenderem este novo tipo de aprendizagem ficou reduzida. Esta empolgante descoberta levantou a questão #2: para onde, no cérebro, estavam a ser enviados os sinais pós-ingestivos?
A equipa tinha uma suspeita - a dopamina - uma molécula envolvida em vários processos fisiológicos e cognitivos, incluindo os hábitos alimentares. No entanto, não se conheciam ligações diretas entre os sinais pós-ingestivos e a atividade dos neurónios dopaminérgicos.
Após um conjunto de meticulosas experiências, a equipa demonstrou que esses neurónios eram uma parte importante do processo de aprendizagem pós-ingestiva.
Não só respondiam aos sinais pós-ingestivos, como a sua resposta era significativamente reduzida quando o ramo hepático do nervo vago era cortado. E para complementar, os investigadores mostraram ainda que a atividade dos neurónios dopaminérgicos era necessária para que ocorresse este tipo de aprendizagem.
Os resultados deste estudo revelaram um novo processo de aprendizagem - orquestrado entre o sistema digestivo e o cérebro - que faz com que os animais procurem alimentos que nunca provaram, atestando o poder que os processos subconscientes têm no controlo do comportamento alimentar.
Partindo destes resultados, a equipa está agora a investigar a escolha de alimentos em humanos. O trabalho futuro incluirá medições simultâneas de comportamento e atividade cerebral para procurar resolver problemas relevantes para a saúde humana e para a medicina.